História da SAF

Um pouco de histórica da SAF

Entre muitos outros saberes transmitidos pela Bíblia, surgem algumas indicações de que a ingestão de álcool pode exercer uma influência prejudicial sobre a vida pré-natal. No Livro dos Juízes (13, 3-4), constante do Antigo Testamento, pode ler-se o que o anjo fala a Ana, a mulher que mais tarde será a mãe de Sansão: “…em breve ficarás grávida e terás um filho. Toma porém cautela e não bebas vinho nem outra bebida forte.” No que concerne às religiões, também os judeus e os muçulmanos proíbem o consumo de álcool, respectivamente no Talmude e no Alcorão.
Já em 500 a.C. os judeus acreditavam que o dano causado no feto se devia ao consumo paterno do álcool. Por sua vez, os muçulmanos praticantes não ingerem álcool até aos dias de hoje.
Independentemente da propagação de informação que os livros religiosos possam efetuar, há relatos sobre a ação potencialmente nefasta do álcool durante a gravidez desde a Antiguidade à Época Moderna. É na Antiguidade que Cartago proíbe aos casados “a ingestão de bebidas alcoólicas nos dias de concepção”. (Oliveira, 1999, p. 376).

No século IX a.C., em Esparta, foi proibida aos noivos a ingestão de álcool no dia do seu casamento. É no álcool que a mitologia grega fundamenta a malformação de Hefaísto, o filho de Zeus, e que o filósofo Platão fala dos perigos da bebida excessiva.
Ainda na Grécia Antiga, Plutão e Aristóteles (século IV a.C.) alertavam sobre os perigos do álcool durante a gravidez. Em tempos mais recentes, as primeiras referências concretas que apontam para que o consumo de álcool durante a gravidez poderia ser a causa de doenças em recém-nascidos encontram-se em textos de Bacon (Inglaterra, 1627) e em experiências vividas durante a chamada “Epidemia do Gin” (gin epidemic), que ocorreu em Inglaterra entre 1720 e 1750. Nesta época, por vários motivos, aumentaram o consumo e a produção de gin. Em 1736 um comité formado em Middlesex constatou que as crianças nasciam frágeis e adoentadas, e até de tamanho reduzido e com aspecto envelhecido (Löser, 1995). O relatório de uma comissão de pesquisa médica informou em 1837 à Câmara do Comércio Londrina que as crianças paridas por mães alcoólicas tinham um aspecto faminto, enrugado e imperfeito

Na França, no ano de 1865, o médico Lanceraux descreveu os filhos nascidos de mães que ingeriam álcool habitualmente, como tendo cabeças pequenas e características faciais atípicas e com casos de nervosismo e convulsões (Blackburn, C., Carpenter, B. e Egerton, J., 2012, p. 9).

Na Inglaterra, o médico W.C. Sullivan, ao exercer funções numa penitenciária, reconheceu em 1899, com base em um estudo por ele levado a cabo, junto de mulheres alcoólicas detidas, que “the pregnancies of these women resulted in stillbirths and infant deaths 2½ times more often than those of their sober female relatives” (Streissguth, 1997, p. 36). Aquele médico dizia que se estas mulheres tivessem vários filhos, diminuiriam a duração e a intensidade da doença alcoólica da mãe (Löser, 1995). Sullivan constatou ainda que mulheres alcoólicas que não ingerissem álcool durante o cumprimento das suas penas poderiam vir a ter filhos sãos, mesmo após filhos deficientes ou abortos espontâneos. Com isto, Sullivan demonstrou o efeito tóxico direto do álcool sobre o feto.

Alguns anos mais tarde, na primeira década do século XX, foi a vez do Doutor Laitenen, na Finlândia, observar que os recém-nascidos provenientes de mães que tinham bebido álcool durante a gravidez apresentavam um baixo peso.

Houve épocas em que a medicina praticamente não se preocupou com a ingestão de álcool por parte das mulheres, bem como das consequências desta sobre a criança, o que se pode explicar com base no facto de que o vício por parte dos homens seria muito mais significativo, em termos numéricos, que por parte das mulheres.

Apenas em meados do século XX que o psiquiatra francês Rourquette descreve traços morfológicos observados em crianças descendentes de mães alcoólicas.

Contudo, o padrão de características anormais verificado em crianças cujas mães tinham ingerido álcool durante a gestação foi documentado pela primeira vez pelo pediatra francês Lemoine e os seus colaboradores em Nantes (França), que apresentaram em 1968, com a publicação da obra Les enfants de parents alcooliques: anomalies observées à propos de 127 cas, uma descrição neurológica e morfológica exata da síndrome (Löser, 1995). Não obstante, o trabalho não se tornou conhecido além-fronteiras, porque, segundo Ann Streissguth (1987), terá sido publicado apenas numa revista científica local na França e não foi traduzido, tendo permanecido injustamente desconhecido a nível internacional.

De facto, a designação “Síndrome de Alcoolismo Fetal”, como hoje a conhecemos, surgiu em 1973 nos Estados Unidos da América, em Seatle, num artigo publicado pelos pediatras Keneth L. Jones e David W. Smith no “The Lancet” (uma das revistas da especialidade mais emblemáticas e mais conhecidas), juntamente com padrões de malformações e perturbações do crescimento, semelhantes aos anteriormente publicados por Lemoine, com base na observação e descrição de 11 filhos de mães alcoólicas. Carpenter e colaboradores (2014, p. 4) remetem para Hoyme afim de referir que foram Jones, Smith e os seus colaboradores que reuniram o padrão específico das deficiências na inédita designação “Fetal Alcohol Syndrome” (FAS), e que passaram a adotar, em substituição das expressões, “Funny Looking Kid” ou “Les petits Lemoine”, até então usada, respectivamente, nos Estados Unidos da América e na França.

Foi com a publicação do artigo na revista “The Lancet” que a SAF ganhou reconhecimento internacional. Desde então foram impressos e divulgados milhares de artigos sobre o tema, descrevendo os sintomas da Síndrome e insistindo nos prejuízos que podem advir do consumo de álcool durante a gravidez.




Material extraído do Estudo de Caso da Me. Dina Susana Martins Tinoco, no Mestrado em Ciências da Educação na Especialidade de Educação Especial: Domínio Cognitivo-Motor da Escola Superior de Educação João de Deus, em Lisboa, janeiro de 2015.

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