Consumo de álcool durante o período gestacional pode trazer graves consequências à saúde do feto e do recém-nascido.
Você já deve ter ouvido alguém dizer que beber só um pouquinho durante a gravidez não faz mal ou, ainda, que a cerveja escura aumenta a produção do leite materno, mas afirmações como essas são completamente equivocadas e podem trazer diversas consequências para o feto e o recém-nascido.
O álcool atravessa a placenta, o que permite que, em pouco tempo, a concentração dessa substância no sangue fetal se torne equivalente à materna. Entretanto, o organismo do feto – ainda em formação – não consegue metabolizar o álcool, que permanece no seu sangue por mais tempo, até ser eliminado pela circulação materna. No período embrionário, isso pode provocar alteração na divisão, proliferação, migração e diferenciação celular, levando a malformações. Já entre a 9ª e 14ª semana de gestação, sua ação provoca alterações principalmente no sistema nervoso central, podendo, inclusive, levar à morte neural.
Estima-se que, em 2017, cerca de 10% das mulheres grávidas fizeram uso de álcool. Nos Estados Unidos, de acordo com o Centro de controle e prevenção de doenças (Center for Disease Control and Prevention), em 2015, esse número chegou a 10,2%. No Brasil, estima-se que 15% das gestantes consumam bebidas alcoólicas e, além disso, as brasileiras em idade fértil estão bebendo mais.
O tipo e a gravidade dos prejuízos induzidos pelo consumo do álcool durante a gravidez dependem de 3 principais fatores:
- Quantidade de bebida alcoólica consumida.
- Frequência do consumo de álcool.
- O estágio de desenvolvimento do embrião/feto no momento da exposição.
Outros fatores também podem influenciar a extensão dos efeitos da exposição pré-natal ao álcool, como aspectos individuais maternos (composição corporal, idade, se é fumante e estado geral de saúde), genéticos (tanto da gestante como do feto) e ambientais (exposição da gestante a ambientes estressantes ou condição de adversidade social).
Dados de pesquisas mostram que 1 em cada 67 mulheres que consumiu álcool durante a gestação, no mundo, dará à luz um filho com síndrome alcoólica fetal, o que corresponderia ao nascimento anual de 119 mil crianças com essa condição, acendendo um sinal de alerta sobre as consequências desse comportamento para os bebês. O fato desta síndrome ser totalmente prevenível reforça ainda mais a importância deste alerta.
O que é a Síndrome Alcoólica Fetal (SAF)?
O consumo do álcool durante a gravidez pode prejudicar o desenvolvimento do feto em diversos aspectos e em diferentes graus de intensidade, incluindo déficits cognitivos, comportamentais, emocionais, além de deformidades físicas. O conjunto de sintomas decorrentes do consumo do álcool durante a gravidez é chamado FASD, sigla em inglês para Fetal Alcohol Spectrum Disorders (Transtorno do Espectro Alcoólico Fetal), e inclui desde alterações mais específicas, como transtornos de neurodesenvolvimento ou anomalias congênitas até a forma mais grave, chamada Síndrome Alcoólica Fetal (SAF).
Como é feito o diagnóstico?
O diagnóstico da SAF é clínico e existem quatro critérios para identificar a síndrome: deficiências de crescimento que impedem o crescimento pré- ou pós-natal; danos cerebrais permanentes que resultam em anomalias neurológicas, atraso no desenvolvimento, deficiência intelectual e deficiências de aprendizagem/comportamento; características faciais anormais, incluindo aberturas oculares curtas, lábio superior fino e reduzido; além de atestar se houve consumo de álcool pela mãe durante a gravidez.
Estimativas indicam que menos de 1% das crianças afetadas pela síndrome são diagnosticadas. Isso acontece porque o diagnóstico não é fácil, pois requer uma equipe multidisciplinar. Além disso, as dismorfias faciais vão esmaecendo com o passar dos anos, e existe pouca informação para identificar os casos. Mas quanto antes o diagnóstico for feito, melhor.
Existe cura ou tratamento para a SAF?
Não há cura para a SAF ou para os outros transtornos provocados, mas ela é uma condição totalmente evitável, desde que a gestante não consuma álcool.
Entretanto, há tratamento e, nesse sentido, o diagnóstico precoce – se possível, antes dos 6 anos de idade – e o apoio de uma equipe médica multidisciplinar podem auxiliar no desenvolvimento e possibilitar um aumento da qualidade de vida das crianças acometidas. Ele é baseado em intervenções que envolvem diferentes aspectos afetados pela síndrome, incluindo intervenções não medicamentosas como reabilitação, educação especial e suporte social. O tratamento medicamentoso é meramente sintomático e dirigido principalmente às manifestações do déficit de atenção e hiperatividade.
Atualmente algumas opções têm sido exploradas na fase pré-natal com o objetivo de proteger o feto dos agravos do álcool, como a administração de vitaminas C, E, suplementos alimentares como ácido fólico, colina, peptídeos neuroativos e fatores neurotróficos, mas ainda não há resultados consolidados que comprovem sua eficiência. Após o nascimento, o tratamento é voltado às lesões cerebrais.
Como prevenir?
A SAF é 100% atribuída ao álcool, portanto totalmente evitável: basta suspender completamente a ingestão de bebidas alcoólicas durante a gestação ou ao tentar engravidar.
Além disso, é importante estimular medidas educativas e preventivas que promovam a orientação e a informação para as mulheres, desde o planejamento familiar até a amamentação, incluindo as consequências da ingestão de bebidas alcoólicas nesse período.
Mas e se a mulher consumir álcool antes de descobrir a gravidez?
Nesse caso, a gestante não deve se culpar. O importante é parar totalmente o consumo o quanto antes e conversar com seu médico a fim de minimizar os riscos.
Visite https://cisa.org.br/sua-saude/informativos/artigo/item/376-sindrome-alcoolica-fetal-saf-o-que-e-e-como-prevenir
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